Crónica de fim-de-semana: juventude, judeus de Brooklin, Lifestyle Medicine e outras histórias
- pedroalbertoescada
- 26 de out. de 2024
- 5 min de leitura

Um dos otorrinolaringologistas americanos que, sem ele o saber, muito influenciou a minha formação e maneira de pensar ao logo da vida foi Richard Rosenfeld. Richard Rosenfeld, MD, MPH, MBA (as siglas significam Mestre em Saúde Pública e Mestre em Administração de Empresas) foi Diretor do Departamento de Otorrinolaringologia da SUNY Downstate Health Sciences University. A sigla SUNY significa State University of New York (Universidade Estadual de Nova York). Esta é uma universidade pública, com mais de 160 anos de idade, localizada em Brooklyn, Nova Iorque.
Brooklyn é um dos 5 distritos de Nova Iorque, muito retratado no cinema, sobretudo a ponte de Brooklyn, símbolo da esperança, uma vez que liga Brooklyn, terra de emigrantes pobres das mais diversas origens e comunidades étnicas, a Manhattan, símbolo do sucesso e da prosperidade. Eu já caminhei na ponte de Brooklyn, pensando assim ser capaz de absorver todo o espírito e a história do local, mas naturalmente que isso não é possível. Fica a proeza turística, mas também uma empatia por tudo o que o local representa, sobretudo as aspirações legítimas e comovedoras das pessoas por uma vida melhor.
Richard Rosenfeld é o típico judeu nova iorquino de Brooklyn. Pequeno e franzino, ou pelo menos dá essa impressão, esconde o seu indisfarçável orgulho da sua condição de judeu notável e respeitado, por trás de uma humildade que, provavelmente é fruto da timidez ou só a forma discreta que escolheu para se mostrar. Sempre gostei de pessoas assim, pessoas que nos dão algum trabalho a perceber que são os melhores, e sempre me desgostaram os contrários, os pomposos. O meu primeiro diretor de serviço chamava a esses, aos que ficam mais altos porque se põe nas pontas dos pés, de “empinadinhos”... Não devem ser alheias a esta minha disposição, as minhas também evidentes mas já esbatidas origens de judeus da Beira Alta, também ela terra de emigrantes, talvez a nossa Brooklyn, a Brooklyn de Portugal.
Richard Rosenfed foi um dos maiores peritos em revisões sistemáticas e normas de orientação clínica (guidelines) na otorrinolaringologia. Foi autor ou co-autor de dezenas de guidelines que usamos ou usámos na nossa prática clínica (otite média; sinusite no adulto; acufenos; amigdalectomia na criança; surdez súbita; VPPB; disfonia; etc.). Escreveu também artigos de como elaborar revisões sistemáticas e guidelines. Uma das lições que aprendi com ele foi a de que o conjunto das pessoas que elaboram as guidelines deve incluir todas as partes interessadas (stakeholders), incluindo profissionais de saúde não médicos e mesmo representantes dos doentes (consumer advocates). Ora, entre nós, muitas vezes as guidelines são elaboradas pelos superespecialistas das determinadas áreas, muitas vezes eles próprios com uma visão necessariamente limitada e enviesada sobre a aplicação prática da guideline por todos a quem a mesma interessa.
Richard Rosenfed foi também Editor-Chefe, entre 2006 e 2014, da revista científica da Academia Americana de Otorrinolaringologia e de Cirurgia da Cabeça e Pescoço. A revista, como todos sabemos, chama-se Otolaryngology – Head and Neck Surgery, todos a lemos e muitos de nós já nela publicaram trabalhos. Durante esses 8 anos Richard Rosenfed foi responsável por dezenas de milhares de decisões editoriais dessa prestigiada revista.
Um editorial de Rosenfeld, de 2008, marcou-me particularmente. Título: “Opinion”. Parágrafo inicial (traduzido): “Um subproduto da medicina baseada na evidência é uma diminuição da opinião nas revistas médicas. Contrariando esta tendência, escolhi como editor aumentar as entradas baseadas na opinião, com cartas, editoriais, comentários e artigos convidados. No entanto, pelo menos um leitor considera esta tendência perigosa.” Segue-se o testemunho de uma leitora (não sei se atualmente seria politicamente correto colocar uma leitora - género feminino - a ter uma opinião questionável...), que se adivinha pelo nome e localidade ser uma leitora imaginária, ou fictícia (Adeline Adamant, MD, Stedfast Stream, USA). Eu acho que ninguém se chama “Nobreza Inflexível” e mora numa localidade que não existe no mapa - eu confirmei - chamada “Fluxos Constantes”! A leitora declarava que se a revista Otolaryngology – Head and Neck Surgery deixasse de se manter rigorosamente na Medicina Baseada na Evidência, para insistir na publicação de opinião, preferia então escolher outra revista para futuras publicações! A “resposta” de Rosenfeld é expressiva e convincente e convido todas e todos a ler o editorial ((https://doi.org/10.1016/j.otohns.2008.10.017), que é um delicioso exemplo de inteligência, racionalidade, bom senso e humor (aquele humor especial, fino). No final da resposta Rosenfeld usa a citação de outro editor para resumir a sua tese: (traduzido) “A receita para a ignorância perpétua é: ficar contente só com os conhecimentos próprios e ficar satisfeito só com as próprias opiniões”.

A primeira palavra do título desta crónica é Juventude e, a esta altura, muitos leitores já se devem estar a sentir defraudados por esse assunto ainda não ter sido abordado. Peço-vos desculpa pela espera e agradeço-vos a paciência, é já agora. Identifiquemos o episódio: 28 de Setembro de 2024, American Academy of Otolaryngology – Head and Neck Surgery Foundation 2024 Annual Meeting & OTO EXPO, 8:00 AM, hora local de Miami (mais propriamente Miami Beach), Flórida, USA. Título da conferência: “Lifestyle hacks for personal and professional resilience and longevity” (traduzido: “Dicas de estilo de vida para resiliência e longevidade pessoal e profissional”). Subtítulos (já traduzidos): “viva mais, viva melhor, a vida saudável já no imediato!”). Conferencista: Richard Rosenfeld, MD, MPH, MBA! No seu melhor estilo: tee (a designação mais moderna para t-shirt), com o escrito nas costas: “Lifestyle Medicine Certified”, jeans e sapatos de ténis (eu gosto de dizer sapatos de ténis, ou só ténis, um pouco para irritar a minha mulher que, como quase toda a gente, prefere dizer sapatilhas).
Não vou resumir a conferência, mas foi uma exposição magistral e baseada na evidência (e ao mesmo tempo cheia de opinião e humor) sobre como, em qualquer idade, nos podemos manter saudáveis, com capacidade para trabalhar, com saúde e qualidade de vida (em suma, jovens). As dicas foram sobre alimentação, exercício, substancias a evitar (tabaco, álcool), gestão do stress, sono e relações pessoais saudáveis.
Só um pequeno apontamento de como devemos viver a vida (como proposto por Rosenfeld): “Contentes com o passado, felizes no presente, com esperança no futuro”.
Parece-me um ótimo programa para todos e também para a SPORL-CCP! Vamos desenvolvê-lo no próximo mandato?

Moral destas histórias: há sempre uma ponte de Brooklyn que vale a pena atravessar...
PS: sobre revisões sistemáticas e de como as realizar é obrigatório ler o artigo “Stages for Undertaking a Systematic Review”, publicado na Acta Médica Portuguesa. É um dos artigos da revista com mais visualizações ou downloads de sempre, mais de 150.000. As autoras são a Helena Donato e a Mariana Donato (mãe e filha). A Helena é Diretora do Serviço de Documentação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e a maior perita portuguesa em publicação científica. A Mariana é Otorrinolaringologista do Hospital de Egas Moniz e candidata da nossa lista a Presidente da Comissão de Rinologia (que bom contar com a Mariana na nossa lista!), área a que se dedica mais em particular. Pode aceder ao artigo aqui: https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/11923/5635.







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