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Crónica de fim de semana: O gap geracional

  • pedroalbertoescada
  • 7 de dez. de 2024
  • 5 min de leitura

Não só nas famílias mas também na literatura científica e nos fóruns dedicados à Educação Médica tem-se falado muito, nos últimos 15 a 20 anos, no gap geracional (prefiro o termo original anglo-saxónico "gap" do que os termos em Português "fosso" - que tem uma carga demasiado pejorativa, ou "intervalo" - que é demasiado neutro).


O gap geracional pode ser definido como a diferença nas atitudes e/ou nos comportamentos entre as pessoas mais velhas e as pessoas mais novas, podendo levá-las a discordar, a discutir ou a impedi-las de se compreenderem mutuamente.


Muito recentemente, numa sessão do congresso anual de 2024 da American Academy of Otolaryngology – Head and Neck Surgery, intitulada provocatoriamente (título traduzido): "A vida nas trincheiras: gerir doentes e famílias difíceis", um dos panelistas defendia que são os médicos com mais dificuldades de relacionamento interpessoal que mais frequentemente registam nos diários clínicos comentários sobre os seus doentes do tipo "doente difícil", "doente não colaborante", etc.


Na parte das perguntas para a audiência dessa sessão, eu decidi colocar a seguinte questão: se na opinião dos membros do painel, haveria ou não também um fator geracional no maior conforto ou dificuldade relacional entre médicos e doentes. Fez-se silêncio na sala. Senti um desconforto nos panelistas, que teriam, na minha avaliação, entre 35 e 45 a 50 anos, os três. A resposta acabou por ser, na minha avaliação, uma não resposta. Percebi que a discussão das características geracionais era um tema a ser evitado naquela sessão e, portanto, não insisti.


Os temas que se evitam, os que causam disconforto ou podem gerar discordância ou incómodo são, na minha opinião, aqueles que mais necessitam de ser trazidos para a discussão. É como um sintoma de alguma coisa que não está bem na nossa saúde, tem que ser investigado. Por vezes temos a tendência para só discutir aquilo em que todos concordamos plenamente, mas isso não é discutir nem debater como devem fazer aqueles que pertencem às áreas do saber ou da prática científica.


Na minha vida profissional e académica, o tema do gap geracional, sendo um tema de todos os dias, passou a ser uma maior preocupação e por isso estudei-o em maior profundidade em dois momentos específicos na minha vida profissional e académica.


O primeiro foi quando, nas minhas provas para o título de Professor Agregado, tive que elaborar um documento que se chama "Relatório Pedagógico", em 2017/2018. No mesmo, desenvolvi um Plano de Estudos para a disciplina da Otorrinolaringologia na Nova Medical School, no qual tive a oportunidade, em particular nas definição das estratégias educativas a serem desenvolvidas pelos alunos, de ter em consideração as caraterísticas de uma nova geração de alunos que começava a aparecer nas escolas médicas, que foi designada, no início, de “Generation Me", "Generation Y" e mais tarde de "Millennials".


Sendo os Millennials considerados “digital natives” e “connected learners”, que têm à sua disposição fontes de informação muito diversas e cada vez mais generalizadas que utilizam continuamente, muitas das estratégias educativas que desenvolvi para a Otorrinolaringologia na NMS, entre vários outros aspetos, passaram pelo utilização maior destes recursos.


Como aparte, gostava de esclarecer que tive a oportunidade de aplicar este Plano de Estudos a partir do ano letivo de 2022-2023, e que a Otorrinolaringologia é uma das disciplinas do Mestrado Integrado da NMS mais bem avaliadas pelos alunos atuais da NMS, os Millennials...


O segundo momento em que senti que tinha que voltar ao tema da gap geracional foi mais recentemente, a partir do momento em que decidi liderar uma lista candidata à Direção, Corpos Sociais e Comissões Científicas da SPORL-CCP.


Temos que conhecer melhor as pessoas que pretendemos servir e, não menos importante, temos que nos questionar continuamente sobre as nossas convicções e "certezas" sobre todos os assuntos, e isso é da maior importância quando falamos do gap geracional.


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Resumidamente, se olharmos para a figura seguinte na qual estão representadas as diferentes gerações, definidas cronologicamente de acordo com consensos internacionais e com características distintivas suficientemente consensualizadas, podemos, aproximadamente, dizer que os médicos otorrinolaringologistas portugueses estão representados nas várias gerações nas seguintes proporções:

  • 35% são da geração dos Baby Boomers (por exemplo eu...)

  • 20% são da Geração X

  • 35% são da Geração Y, os Millennials

  • 10% são da Geração Z

Naturalmente que no futuro a proporções deslocar-se-ão dos primeiros (Baby Boomers) para os últimos (Geração Y), portanto mais uma razão para falar sobre o assunto e para nos prepararmos.


Não vou desenvover muito mais sobre as características apontadas a cada uma destas gerações e portanto às diferenças que teremos sempre que gerir entre as pessoas e os seus interesses, particularidades e comportamentos (ver anexo disponibilizado em baixo). Mas é interessante, por exemplo assinalar a diferença de estilos de liderança entre o Baby Boomer tradicional, em que a liderança é hierárquica, e os indivíduos da Geração Z (os nossos médicos internos mais novos), em que o seu estilo e liderança passa mais por um apoio (empoderamento) dos colegas eles próprios que se consideram com alguma autonomia de liderança e iniciativa.


Numa sociedade (a SPORL-CCP) em que mais de 60% dos seus sócios tem mais de 40 anos de idade, temos tido a tentação de colocar nos mais novos a responsabilidade de se desinteressarem dos assuntos da sociedade ou de participarem menos nas suas reuniões científicas e congressos. Não é justo, todos temos a nossa parte na responsabilidade de fazer o "bridging the gap" no gap geracional.


Há poucos momentos recebi uma comunicação de um dos elementos mais novos da lista "União e Juventude" a solicitar-me orientação sobre uma decisão prática da nossa campanha. Respondi para ser a própria a tomar essa decisão. Assim foi, a justificação da decisão pareceu-me comprensível e fiquei satisfeito por não ceder à tentação de tomar eu próprio uma decisão que pretendo que outros - os mais novos - se sintam habilitados e motivados para tomar.


As gerações mais velhas têm muito a fazer neste processo, a começar por compreender quem são e o que querem as gerações mais jovens. Nós, os das primeiras, temos que combater a nossa atitude muito bem exemplificada na frase de um autor que disse o seguinte a propósito do assunto: "Tudo o que existe no mundo quando se nasce é normal e apenas uma parte natural da forma como o mundo funciona. Qualquer coisa que seja inventada entre quando temos 15 e 35 anos é novo, excitante e revolucionário. Qualquer coisa inventado depois de termos 35 anos é contra a ordem natural da coisas..."


E termino com uma frase da escritora nobelizada Pearl Buck, que disse o seguinte: "Os jovens não sabem o suficiente para serem prudentes e, portanto, tentam o impossível . E conseguem-no, geração após geração".


Anexo: As características das gerações:



 
 
 

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