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Crónica de fim de semana: São Valentim

  • pedroalbertoescada
  • 16 de fev.
  • 3 min de leitura

Gostei da crónica no Expresso de 14/02/2025 do Psiquiatra José Gameiro “Não tenho cabeça para outra cabeça”, na qual ele elogia a brevidade (6 palavras) de uma frase de um poema da poetisa recentemente falecida Adília Lopes.

 

A brevidade é muito cara aos médicos, porque nós temos que a apurar na redação científica. A diferença é que nós não estamos autorizados a usar metáforas, e por isso temos que nos alimentar delas em outras fontes. Por isso crónicas como a de José Gameiro são sempre uma lufada de ar fresco (peço desculpa pelo lugar comum).


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A frase resume o processo que todos fazemos de negociar  e entender o outro numa relação a dois: alguns, diz José Gameiro, fazem esse processo de compreensão silenciosamente, sem alaridos (eu acrescentaria que alguns também podem fazer bem esse processo mesmo com algum alarido), mas outros não conseguem fazer esse percurso e acabam mal (na relação a dois, naturalmente).

 

A frase, como escrita pela Adília, ironiza a sua condição de solteirona entre paredes, rodeada de gatos: “Foi bom não me ter casado, não tenho cabeça para outra cabeça”.

 

Vem isto a propósito do dia 14 de fevereiro, que como sabem é o dia de São Valentim, o dia dos namorados.

 

Valentim foi um bispo romano que contrariou a proibição do imperador Cláudio II de realizar casamentos, proibição essa que pretendia que os jovens não tivessem família, o que fazia com que se alistassem com mais facilidade no seu exército.

 

Bem. Vem tudo isto a propósito do dia 14 de fevereiro de 2025, dia em que eu, na programação que faço das minhas atividades no final do mês anterior, reservei para um programa cirúrgico extenso mas muitíssimo interessante. Não me lembrei nessa data do dia de São Valentim...

 

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O programa incluía: uma cirurgia estapédica de um doente com o nervo facial deiscente e prolapsado sobre a platina; uma revisão de um ouvido com colesteatoma supralabiríntico residual com audição normal em técnica fechada; uma dacriocistorinostomia nasal endoscópica; e uma timpanoplastia de um ouvido com perfuração antero-superior, com canal auditivo externo procidente na parede anterior (termos só para os especialistas). Além disso era um programa planeado para fazer, mas também para ensinar (leia-se: dar oportunidade real) aos dois médicos internos que se encontravam comigo.

 

Alguns dias antes do dia 14 a minha mulher fez-me a seguinte pergunta: “como é a tua vida (entenda-se, “o teu horário”) no dia 14 de fevereiro”?

 

Foi nesse momento que me senti como o São Valentim. Deixem-me explicar melhor: não exatamente entusiasmado com o aspeto romântico da lenda, lembrei-me mais de como foi o final do São Valentim: o São Valentim morreu... decapitado! Ironizando: não ter cabeça para outra cabeça ainda vá lá mas não ter a própria cabeça deve ser ainda pior!

 

Tranquilizem-se!

 

O dia correu bem. Fizeram-se as 4 cirurgias, que correram de forma excelente. Os médicos internos tiveram a sua oportunidade e mostraram que são o futuro. Todos os doentes tiveram alta no dia seguinte.


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E o resto? Ainda correu melhor. Com calculam, 4 cirurgias têm 3 intervalos. Como a minha mulher trabalha no mesmo hospital do que eu, no primeiro intervalo fui tomar um café com ela, no segundo fui almoçar com ela, e no terceiro lanchei com ela. Nem planeado! Cheguei a casa perto das 21 horas e vivia-se um ambiente de São Valentim (o vivo): jantar encomendado, ótimo final de dia 14 de fevereiro!

 

Às vezes é difícil, mas vale a pena lutar por ter cabeça e por ter cabeça para outra cabeça...  

 
 
 

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