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Crónica de fim de semana: "à minha mulher, por toda a paciência e apoio incondicional”

  • pedroalbertoescada
  • 9 de nov. de 2024
  • 3 min de leitura

Não sou um cético nem um cínico. Considero-me antes um curioso incansável que gosta de refletir sobre os vários aspetos da nossa vida, pessoal, profissional ou onde ambas se cruzam. Por isso, sempre me questionei que história real e concreta da vida das pessoas se revela (ou não) nas dedicatórias que lemos nos livros, nas teses de doutoramento, nos currículos  ou até só nos pensamentos que dirigimos àqueles com quem nós, médicos, partilhamos a nossa vida.


Imagino que muitas vezes a dedicatória é a manifestação literal e exata de uma partilha real de aspirações e satisfações que, sendo de um, é vivida por ambos (ou mais, dependendo da dimensão da família a quem a dedicatória é dirigida). Outras vezes será mais um pedido de desculpas e uma tentativa de redenção pela ausência justificadamente sentida como culpa. Até pode ser que em alguns casos, espero que raros, o ou os destinatários da dedicatória já não estão lá, ou já não a leem, ou a consideram já desatualizada.


É portanto o tema desta crónica o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal ou, como lemos mais frequentemente na “nossa literatura”, work life balance.


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Recentemente vi nas redes sociais um infográfico, parecido a este, que lembrava quem são as pessoas que se recordam mais de todas as horas extraordinárias ou exageradas que, impostas, necessárias ou voluntárias, dedicámos à nossa profissão.


Eu sou de uma geração em que uma vida integralmente vivida para o trabalho era um fator de valorização profissional e até curricular.  Admito que essa mentalidade ainda tem raízes fundas na nossa profissão, mas temos que a questionar. Eu, pessoalmente, levei tempo a perceber que a mudança passa por muitos aspetos, mas incluem o aprender a dizer não. Não, porque não tenho tempo necessário disponível para a tarefa. Não, porque tenho outros compromissos prévios. Não, porque tenho excesso de trabalho...


Por exemplo, eu poderia ter passado todo o dia de hoje (sábado) a trabalhar, mas disse (a mim próprio) não. Acordei e levantei-me muito cedo (prometo desenvolver noutra crónica porque é que acordo e me levanto sempre cedo). Fui passear pela praia com as minhas cadelas (na verdade só tive coragem para levar 3 das 5, da próxima vez já levarei 4: as 3, sem trela, portaram-se muito bem!). Foi um longo passeio, cerca de 4 Km, sempre ao longo do mar e da rebentação (na verdade o mar estava quase plano, praticamente sem rebentação). Fiquei satisfeito porque as filhas já seguem a mãe para a água, afinal não vão ter medo da água, como eu temia. Bem, a  mãe entra na água até ao pescoço, as filhas fogem quando a água lhes molha as canelas... mas voltam logo! Eu próprio mergulhei no mar uma vez, elas seguiram-me até ao joelho (delas), com a onda a água ainda chegou um bocadinho mais acima...


Depois fui à praça e comprei peixe e legumes. À hora do almoço grelhei o peixe. A minha sogra, que teve um restaurante, ensinou-me mais uma vez a preparar os grelos (digo mais uma vez porque ela já me ensinou muitas vezes mas não se lembra, e por isso fica satisfeita cada “nova” vez que eu lhe peço e ela me ensina). Mais uma vez ela me disse também que devíamos os dois abrir um restaurante... A minha mulher estava feliz.

          

Um estudo recente realizado recentemente pelo Conselho Nacional do Médico Interno (https://ordemdosmedicos.pt/wp-content/uploads/2017/09/Relatorio-Estudo-Burnout-2023.pdf) demonstrou que são os médicos jovens, e sobretudo os médicos internos, aqueles que sofrem de maiores consequências na saúde mental do excesso de trabalho, que mais de metade (55,3%) está em risco de desenvolvimento de burnout, e 1 em cada 4 (24,7%) já apresenta sintomas graves da síndrome. De acordo com o Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos, Dr. Carlos Cortes, os resultados são muito preocupantes: “revelam uma realidade silenciosa que afeta muitos médicos internos, sobretudo os que trabalham no SNS, que asseguram serviços de urgência e realizam horas extraordinárias acima do aceitável, e estão a comprometer a formação médica em Portugal.”


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No questionário realizado pelos médicos internos candidatos à Comissão do Internato Médico para o próximo mandato da nossa lista (Joana Rebelo, Gonçalo Perry e Bárbara Rodrigues), recentemente realizado, 60% dos médicos internos e recém-especialistas manifestaram o prejuízo no equilíbrio entre a vida profissional e pessoal como uma das situações que os preocupam ou prejudicam.


É possível que esta preocupação dos médicos jovens reflita um traço geracional, o que é bom, significa que são mais exigentes e ambiciosos do que as gerações anteriores. Ou será antes uma consequência das circunstâncias do trabalho atuais? Ou ambas as razões?


Mas não é um assunto que possa ficar em esquecimento. Os médicos internos fizeram bem em levantar a questão. Vamos trabalhar com eles e procurar soluções? Podem contar connosco para isso. Vamos fazer com que o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal possa ser mais concreto do que uma dedicatória?

 
 
 

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